quarta-feira, 24 de março de 2010

Centenário da República – I

Centenário da República – I

Causas do descontentamento da população com a Monarquia Constitucional

Neste primeiro Centenário da Implantação da República, o qual se comemorará no próximo 5 de Outubro, muitos balanços serão feitos sobre a essência e os princípios subjacentes ao regime republicano. Estas premissas alimentarão o debate puro e duro sobre a capacidade de regeneração do regime republicano, no que diz respeito à democracia representativa, à renovação do sistema partidário, ao valor da ética republicana na luta contra o compadrio, a corrupção e a solução para o endividamento do estado. Como poderemos facilmente comprovar, a história repete-se ciclicamente, muitas vezes com outros protagonistas, evidenciando as coincidências dos acontecimentos históricos.
O contexto político, económico e social onde germinaram os ideais republicanos será decisivo para a mobilização dos portugueses e para a vitória do movimento revolucionário. Em termos cronológicos, Portugal entrava na última década do século XIX, envolto num clima de agitação política e social, estando a população descontente com as suas miseráveis condições de vida. Os sucessivos governos da Monarquia Liberal, condicionados pelo sistema rotativo dos partidos, mostraram-se incompetentes para melhorar as condições de vida dos mais pobres – operários, agricultores e outros trabalhadores – sendo este o terreno fértil para a propaganda republicana. Apesar da elevada taxa de analfabetismo da população, os jornais e as revistas da época alimentavam a hostilidade e o ódio contra o Regime Monárquico na pessoa do rei D. Carlos I e família real. Os jornais plasmavam nas suas alvas folhas, o insanável paradoxo das misérias por que passavam os mais pobres no seu quotidiano, enquanto a família real vivia no luxo e na ostentação. No dia-a-dia, os mais pobres estavam sujeitos a péssimas condições de trabalho, recebendo um magro salário, com o qual a maioria não conseguia alimentar devidamente a sua numerosa prole. A vida nas ilhas, pátios e aldeias ficava marcada pela pobreza da alimentação das classes populares, onde à broa de milho, às azeitonas, às sardinhas, à sopa de vegetais frescos e secos, juntava-se vinho em abundância. As habitações albergavam famílias numerosas, onde o ambiente pouco arejado e bafiento das divisões era propício ao alastramento da doença e de todo o tipo de parasitas.
Por outro lado, um país a viver na miséria confrontava-se diariamente com a vida sumptuosa da Família Real. Ele era aquisição de iates por parte do rei, só possível graças aos adiantamentos pecuniários feitos à Casa Real, fazendo desta a maior devedora ao erário público. Esta questão motivou aceso debate na Câmara dos Pares do Reino, já que D. Carlos recebia um conto de réis de vencimento por dia, o que cumulativamente com o que recebiam os outros familiares, perfazia a quantia de 520 contos de réis anuais. Com Portugal mergulhado numa grave crise financeira, tornava essa situação insustentável, aos olhos da maioria da população.
Com uma população activa muito numerosa no sector primário e com uma estratégia de desenvolvimento económico assente num sector industrial dependente do estrangeiro, quer em relação às matérias – primas africanas, quer da maquinaria, o país chegava à última década do séc. XIX com uma dívida pública astronómica, resultado de uma política de “progresso material” em infra-estruturas, levada a cabo pela Regeneração.
Quando em 11 de Janeiro de 1890, a Inglaterra enviou ao rei D. Carlos I um Ultimato: ou os Portugueses desocupavam os territórios situados entre Angola e Moçambique ou o governo inglês declarava guerra a Portugal, o monarca e o seu Governo abdicaram da sua exigência e direito em ocupar os territórios compreendidos entre Angola e Moçambique – mapa cor-de-rosa. O Governo viu-se obrigado a aceitar o Ultimato, o que provocou manifestações de descontentamento. Em 14 de Janeiro de 1890, o Partido Republicano Português organizou uma grande manifestação em Lisboa, acusando o rei D. Carlos e o Governo de terem traído os interesses dos Portugueses em África. O charuto da paz entre Portugal e a Inglaterra acendeu o rastilho que levaria à primeira experiência revolucionária fracassada, no Porto, em 31 de Janeiro de 1891.

Carlos Cruchinho
Licenciado em História